sábado, 16 de julho de 2011

A INICIAÇÃO

Dentre os aspectos comuns às diversas formas de culto, distinguimos o fenômeno da possessão pelos Orisás, de forma ordenada e pressupondo sempre um processo de iniciação com características definidas.
A iniciação não é feita por simples vontade do adepto, mas sim, por determinação de seu Orisá, o que ocorre quase sempre de maneira inesperada: ou a pessoa começa a sofrer diferentes tipos de perturbações em sua vida, sejam de ordem psíquica ou de qualquer outra ordem, mas que servem sempre de sinal para que se constate a chamada da divindade, ou a entidade se apossa violenta e repentinamente de seu filho, lançando-o ao solo, absolutamente inconsciente, fenômeno que é conhecido, dentro das casas de candomblé como "bolação".

A partir desse momento, sob pena de vários problemas que poderão advir, o indivíduo escolhido deverá submeter-se à iniciação no culto, sob a orientação do chefe do terreiro denominado Babalorixá (pai-de-santo) ou Iyalorixá (mãe-de-santo).

A iniciação tem por finalidade, além de estabelecer um vínculo definitivo e irreversível entre o Orisá e o iniciando, desenvolver a capacidade de desdobramento da personalidade deste último que deverá, a partir de então, ser eventualmente substituída pela da Divindade a que tenha sido consagrado, que se manifestará através de incorporação ou possessão.

A possessão deverá ser plenamente assumida e, no período de enclausuramento exigido pelo processo iniciático, os eleitos aprendem, sob a orientação de um iniciado de cargo sacerdotal, técnicas corporais estereotipadas, danças representativas de seu Orisá, rezas, cânticos e posturas procedimentais adequadas à sua nova condição religiosa.

 “... O Deus pode, desde logo, apoderar-se do corpo de sua filha, cuja personalidade desaparece momentaneamente para ser substituída pela do Orisá individual. O ser humano possui, portanto, desde que iniciado, feito, duas personalidades aparentadas. A primeira é aquela que deriva da família imediata, do ambiente em que o indivíduo nasceu e cresceu. A segunda é a de um antepassado mítico, de um pai sobrenatural que se desenvolve a partir da iniciação e se manifesta na possessão" . 
Segundo Pierre Verger: "A iniciação não comporta essencialmente a revelação de um segredo; ela cria no noviço uma segunda personalidade, um desdobramento místico inconsciente”.

É Esú quem, representando a coletividade dos Orisás, irá promover a transformação desejada, ensejando o surgimento da personalidade do iniciado em substituição à personalidade do ser profano.
A verdadeira iniciação há de ser, de certa forma, uma experiência dolorosa, durante a qual, a personalidade profana permanece como morta, ressuscitando em seguida já dotada das características que distinguem o iniciado. Por este motivo os adeptos costumam referir-se ao processo de iniciação utilizando-se do termo "passar pelo sacrifício" o que sem dúvida é revelador das condições às quais são submetidos durante o processo.

Conta um itan do Odu Osefun, que certo dia, Osun recebeu de Obatalá, a ordem de iniciar o primeiro ser humano no culto aos Orisás.
Havendo selecionado entre muitos, aquele que viria a ser o primeiro iniciado, Oxun tratou de seguir as orientações fornecidas pelo grande Orisá-Funfun, contando para isto com o auxílio de Elegbara e Osaiyn, além das orientações de Orunmilá.

Todos os preceitos foram seguidos à risca e era Orunmilá, através da consulta ao oráculo, quem traduzia as orientações emanadas de Obatalá.
Ao fim da cerimônia, verificou-se uma total mudança na personalidade do iniciado que, de pessoa comum, transformou-se num ser excepcional, dotado de profundo sentimento religioso e plena dedicação ao culto para o qual havia sido preparado.

Diante deste fato, Osun, percebendo que jamais seria possível a obtenção de um ser humano de tantas qualidades, intercedeu junto ao Grande Orixá para que o sacerdote fosse preservado do toque de Iku.
Obatalá, em sua imensa sabedoria, não querendo interferir na lei natural que determina que todos os seres vivos devem um dia ser entregues aos cuidados de Iku, admitiu a possibilidade de eternizar, apenas simbolicamente, aquele a quem foi confiada a propagação de sua própria religião e desta forma, ordenou que sobre sua cabeça fosse colocado o oxú, transformando-o, imediatamente, numa ave a que deu o nome de Etú (galinha d'Angola) .

Quando o iyawo é recolhido, depois dos preceitos obrigatórios à Egun (Ancestrais) e Esú, que não nos cabe descrever no presente texto, será então colocado em contato direto com os primeiros procedimentos litúrgicos que visam o processo de transmissão do Asé.
Durante a cerimônia de iniciação, procede-se a um ritual denominado Sasaiyn, em louvor do Orixá Osaiyn, dono e senhor de todos os vegetais e, por conseguinte, das folhas sagradas, indispensáveis em qualquer procedimento litúrgico, o que é confirmado pela máxima Yoruba: "KOSI EWÉ, KOSI ORISÁ", (sem folhas, sem Orixá), o que ocorre no terceiro dia de enclausuramento do iniciando.

A seleção das folhas litúrgicas utilizadas neste cerimonial varia de casa para casa, o que significa dizer que, embora seja estritamente obrigatória a presença das folhas do Orisá que está sendo feito, alguns sacerdotes acrescentam também as folhas de seu próprio Orisá, outros juntam aí, as folhas do adjuntó (Orisá responsável pelo equilíbrio, masculino ou feminino) do iyawo, como também folhas específicas de Obatalá.

Os Orisás são invocados e seus poderes individuais são catalisados em forma de Asé, que Esú, em sua função de elemento transportador, irá direcionar em favor do iyawo, para que a metamorfose possa se concretizar plenamente.
O ritual divide-se em duas partes distintas. Na primeira parte somente as energias geradoras são invocadas, com exceção de Obatalá (Osalá), que embora sendo um Orisá gerador, por uma questão de hierarquia, é invocado e saudado no final da segunda parte, quando os Orisás provedores são homenageados e têm seus poderes invocados em favor do iyawo.

Esú não cria nem se intitula pai de nada nem de ninguém, limitando-se, outrossim, a promover transformações em todos os sentidos.

Alguns Orisás, por acumularem as funções de provedores e geradores, são invocados nas duas etapas do rito. Para melhor compreensão das funções específicas de cada Orisá, os sacerdotes do culto dividiram-nos em duas categorias, nas quais não são considerados seus posicionamentos hierárquicos. (Nestas categorias são classificados como Orisás geradores e Orisás provedores).
Como Orisás geradores são considerados todos aqueles que, de alguma forma, possuem o poder de gerar qualquer tipo de manifestação de vida, e dentre eles encontramos: Iyemanjá, Nanã, Ogun, Omolú, Oxalá, Oxun, Oyá e Xangô

Os Orisás provedores são todos aqueles que têm, como atribuição, suprir, em todos os aspectos, as necessidades dos seres gerados pelas entidades anteriormente relacionadas. São eles: Esú, Iyemanjá, Logunedé, Nanã, Obá, Ogun, Omolú, Osaiyn, Oxalá, Oxóssi, Oxumarê, Oxun e Yewá.

Como podemos observar, Ogun, Iyemanjá, Nanã, Omolú e Oxun, por acumularem as duas funções, são relacionados nas duas categorias.
O Olorí do iyawo será sempre invocado nas duas partes do ritual, independente de pertencer a qualquer dos dois aspectos.
A primeira parte do rito precede ao "orô do labé", durante o qual, o iniciando é submetido à raspagem de cabeça, além de outros procedimentos indispensáveis à sua consagração ao Orisá.

A finalidade, como afirmamos acima, é obter-se o consentimento dos Orisás geradores, para que possa ocorrer o surgimento de uma nova personalidade, dotada de um caráter religioso que deverá sobrepor-se, definitivamente, à personalidade anterior. É necessário que as entidades invocadas emprestem seu Asé ou força propulsora, para que o fenômeno possa se verificar com pleno sucesso e sem a interferência de outros seres espirituais, como Egun e Ajé que, por qualquer motivo, queiram interferir no processo o que, sem sombra de dúvidas, resultará num fracasso total, cujas conseqüências podem ser altamente negativas.

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